in Açoriano Oriental, 13 de outubro de 2016
Sinal dos tempos, anunciar com um ano de antecipação a realização de qualquer coisa extraordinária! Do género “para o ano cá estaremos outra vez para vos embevecer”.
Porém, e sem ironias, foi isso mesmo que aconteceu com Anselmo Ralph. Noticiou este mesmo jornal que o distinto artista quer voltar a atuar na Semana dos Baleeiros, nas Lajes do Pico, em 2017. Assim assevera nota assinada pelo próprio presidente do município.
Ora a curiosidade maior, é que isto sucedeu mais ou menos em simultâneo com o anúncio para 26 de Setembro de 2017 do lançamento de “Origin”, o próximo trabalho literário de Dan Brown.
Por conseguinte, apraz-nos dizer que o ano de 2017 – à data de hoje – promete ser pródigo em acontecimentos culturais. Não me lembraria, aliás, de melhores acontecimentos para assegurar que a cultura não vai mesmo esmorecer. E logo na música e nos livros, áreas que constituem um reparador repasto espiritual nos tempos conturbados que correm.
Anselmo Ralph, anunciado a um ano-luz, tem um efeito ímpar na marcação das férias de milhares de pessoas para a ilha montanha. E isto reflete-se, desde logo, no alojamento e nos transportes. Ala de esgotar tudo, para escutar o proeminente artista. Os versos pululam já nos cantos matinais, “Agora não me tocas”, “E não quero saber de ti”, ou coisa que o valha, são logo temperados pela comitiva de aventuras de Robert Langdon, este misturando grão-mestres Illuminati e supranumerários da Opus Dei, revelações codificadas, mensagens encriptadas, conspirações religiosas, mortes sedutoras, perseguições e fugas da polícia dos países por onde vai evoluindo a história, e um sem fim de banalidades cujo sex-appeal é manifestamente de baixo teor.
Mas deveríamos ser um pouco mais exigentes quanto à oferta cultural entre nós, nomeadamente o Anselmo Ralph?
Ou seja: a construção de cidadãos mais esclarecidos e instruídos, fator de sucesso das sociedades contemporâneas, deveria ser levada mais a sério. Sim, deveria, mas…
… Mas, entendamos que o próximo ano é de eleições municipais. O clarim da batalha soou. Vai ser quem pode mais… Digo, gastar! E vão todos direitinhos ao erário público, sem pedir autorização a ninguém. O que interessa é a festa. Anselmo Ralph será apenas um exemplo do cartaz turístico regional. É a cultura, como diria o outro. E pagaremos bem para que encante os turistas repescados, mais do que a própria natureza possa encantar. Que vão encher hotéis, casas de alojamento rural e turístico, cafés e restaurantes, bodegas e giftshops, empresas de aluguer automóvel, e outras. E isso é bom. É bom porque é o Ralph. E o Ralph tem o incrível poder de puxar por toda a economia local. É dizer, a propósito: louvado sejas, Ralph, e bem-vindo a estas ilhas maravilhosas.
Mais tarde, para nos saciarmos até à gula, vamos ler Dan Brown e o seu sempre novo e original,“Origin”. Faltam menos de doze meses!
Luís Soares Almeida