25 de janeiro de 2014

Ser genuíno não basta, há que parecê-lo

Ideias há muitas, in Açoriano Oriental, quinta feira 23.01.2014

Imagem extraída Google.


Ainda a memória de rei Eusébio era por todos chorada, eis que outro, por enquanto ainda candidato a rei, elevou o nome do país. No momento em que Pelé, outro rei, pronunciou o nome de Cristiano Ronaldo, este curva-se feliz para a sua esquerda e encontra os lábios da noiva para um beijo de celebração. Por um momento esperei que a seu lado estivesse Lionel Messi e que os dois se abraçassem em fraterno fair play. Mas separava-os Irina Shayik. Só depois Cristiano se levantou e se dirigiu ao seu terno rival, antes ainda de subir ao palco para receber a bola de ouro. E enquanto a voz se lhe embargava, os portugueses humedeciam os cantos dos olhos com fluidos lacrimais, atentos às suas primeiras e surpreendentes palavras. E Cristiano dispara e agradece a dois grandes senhores: a Eusébio e a “Mandiba”, ou como era também conhecido Nelson Mandela. Posto de lado o lapso fonético, mais que provável devido ao nervosinho que carregava, do que de falta de aconselhamento dos seus assessores, Cristiano foi brilhante. Brilhante não pelas suas onerosas palavras ou elaboradas estruturas sintáticas; Não pela desajeitada pose de homem que apesar da fortuna e do estrelato não deixa nunca de ser a simplicidade que é; Não também pela imagem que a sua mãe emocionada deixou passar perante o mundo inteiro; Foi por muito mais que isso. Cristiano foi brilhante – e é isso que, no fundo, distingue um homem bom e genuíno de um cínico fanfarrão. E foi-o pela sua acintosa humildade, por um lado, e pela irritante promessa de se esforçar mais e melhor no futuro, por outro. Muitos portugueses nutrem por ele qualquer coisa que está a meio caminho entre a inveja pequenina, mesquinha, e o ciúme tóxico, um ciúme que esconde tudo aquilo que sabem ser sem nunca o esconderem derradeiramente. E são-no porque não podem ser como Cristiano.
Apesar das suas origens humildes, oriundo de uma região autónoma distante, local que por norma não facilita o surgimento de oportunidades, que um dia rumou ao continente para lutar por uma oportunidade no mundo ilusório do futebol, provou-nos, com e sem luva branca, que a retórica grandiloquente, o raciocínio complexo, as origens, o nome de ascendência, por vezes não são entraves à concretização dos sonhos. Por muito grandes e muito altos que aqueles sejam. E até pode ser que à sua volta cresça um mundo de plástico e de histeria social pouco recomendável… E até talvez aconteça que Cristiano sirva de balão de ensaio para uma certa propaganda nacionalista e patriótica… E talvez muito mais coisas menos desejáveis aconteçam à sua volta, mas tal não se deve ao seu talento natural, mas ao exagero de dinheiro que recebe e consequente influência que exerce sobre o ecossistema nacional.
E, a nós, resta aceitar essa condição, mesmo que não nos revejamos nela. Ou achávamos que Afonso Henriques e Vasco da Gama tivessem sido portugueses polidos e figuras urbanas do mais fino e apurado retoque?

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