1 de maio de 2015

Meet Witt

Conheçamos Josephine Witt, 21 anos, cidadã europeia, estudante de artes, e que se tornou estrela dos média europeus e mundiais por ter perpetrado um ataque inócuo, mas bizarro quanto baste, contra o presidente do Banco Central Europeu, e que causou inevitavelmente um grande susto, ao que se seguiu um enorme aparato de seguranças e assessores a lançarem-se para cima da jovem com o intuito de a neutralizar. Witt facilmente conseguira registar-se como jornalista, embora sem o ser, via Internet, e rapidamente recebera a acreditação que imprimira para entrar no edifício. À primeira oportunidade lançou-se contra a mesa onde se encontrava Draghi e despejou sobre ele, imagine-se, confetis. O que poderia parecer festivo foi um protesto alternativo contra pessoas que, como ela própria diz, não estão habituadas à crítica. Em entrevista ao jornal Expresso, Witt, que pertenceu já ao movimento feminista Femen, disse ter realizado este ataque pacífico como forma de protesto contra o recém inaugurado edifício sede do Banco Central Europeu, localizado em Frankfurt, uma torre moderna e exuberante, e onde se refugiaram os administradores enquanto duravam os protestos na rua. Mais tarde, quando transportada para a esquadra, diz ter-se rido com os polícias, que lhe foram simpáticos, por ser jovem e bonita… 

E agora que já conhecemos Josephine Witt e os seus 15 segundos de fama, o que podemos pensar disto tudo? Parece-me que Witt faz parte de um modelo novo de contestação social e política que varre a Europa, como também representa as expectativas que toda uma juventude tem das políticas e dos políticos europeus. Não mais contam as causas mais ou menos profundas ou em nome de que ideologia se protesta. E sim, a Europa mudou. Mudou muito. Quem pensasse o contrário, que tal nunca aconteceria, não poderia estar a falar sério. Os desafios do velho continente não são, porque não poderiam ser mais, os mesmos de há quarenta ou cinquenta anos atrás. E os euro situacionistas, alguns nostálgicos resistentes defensores dos valores fundadores e primordiais, não acompanharam o mundo em que vivemos. Sobretudo a dita esquerda moderna, outrora conhecida como radical, que cresce sem rei nem roque, é hoje o reflexo esquizofrénico, no melhor sentido da palavra, de uma paleta difusa de ideologias e conteúdos programáticos que vão desde o marxismo até ao mais puro liberalismo. Essa nova esquerda pretende conciliar a fábrica e a produção em massa regadas com programas de subsidiariedade social que abranjam tudo e todos a uma escala nunca antes vista. Defender, pois, consumo e produção como princípios orientadores para resolver os problemas da pobreza no velho continente, e utilizar a riqueza excedentária para sustentar uma franja social desmotivada e deseducada no trabalho parece ser um modelo sem mais chão por onde se aplicar. Não pela justiça do sistema em teoria, mas pelo seu falhanço no terreno, pela impraticabilidade de tais políticas. Indigna-me que alguém no auge das suas capacidades físicas e mentais recuse um trabalho, porque desde que seja digno e a troco de x horas e y tarefas receber um salário, é sempre melhor do que ver os dias passar sem fazer pela vida e pelo futuro. Mas estamos perante um outro paradoxo. Se pensarmos que aquilo a que chamamos esquerda, moderna ou não, não é mais do que uma generalização daquilo que tradicionalmente chamamos anarquia, e daí compararmos com o exemplo do Syriza, ou seja, uma estrutura política ampla quanto imaginável que abarca sensibilidades que vão da extrema-esquerda, à social-democracia, à extrema-direita moderada, então compreenderemos melhor o fenómeno. Na Grécia, todos fazem parte do Syriza, todas as fações cabem lá. Josephine Witt não é grega, mas é do Syriza. Pode até nem ser de esquerda, mas é do Syriza. E daí a dificuldade que crassa num certo establishment ideológico que varre a Europa. E que acabará por nos varrer a nós?

In Açoriano Oriental, 5ª feira, 30 de abril de 2015

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