19 de outubro de 2016

"Origin"

in Açoriano Oriental, 13 de outubro de 2016

Sinal dos tempos, anunciar com um ano de antecipação a realização de qualquer coisa extraordinária! Do género “para o ano cá estaremos outra vez para vos embevecer”. 
Porém, e sem ironias, foi isso mesmo que aconteceu com Anselmo Ralph. Noticiou este mesmo jornal que o distinto artista quer voltar a atuar na Semana dos Baleeiros, nas Lajes do Pico, em 2017. Assim assevera nota assinada pelo próprio presidente do município.
Ora a curiosidade maior, é que isto sucedeu mais ou menos em simultâneo com o anúncio para 26 de Setembro de 2017 do lançamento de “Origin”, o próximo trabalho literário de Dan Brown.
Por conseguinte, apraz-nos dizer que o ano de 2017 – à data de hoje – promete ser pródigo em acontecimentos culturais. Não me lembraria, aliás, de melhores acontecimentos para assegurar que a cultura não vai mesmo esmorecer. E logo na música e nos livros, áreas que constituem um reparador repasto espiritual nos tempos conturbados que correm.
Anselmo Ralph, anunciado a um ano-luz, tem um efeito ímpar na marcação das férias de milhares de pessoas para a ilha montanha. E isto reflete-se, desde logo, no alojamento e nos transportes. Ala de esgotar tudo, para escutar o proeminente artista. Os versos pululam já nos cantos matinais, “Agora não me tocas”, “E não quero saber de ti”, ou coisa que o valha, são logo temperados pela comitiva de aventuras de Robert Langdon, este misturando grão-mestres Illuminati e supranumerários da Opus Dei, revelações codificadas, mensagens encriptadas, conspirações religiosas, mortes sedutoras, perseguições e fugas da polícia dos países por onde vai evoluindo a história, e um sem fim de banalidades cujo sex-appeal é manifestamente de baixo teor. 
Mas deveríamos ser um pouco mais exigentes quanto à oferta cultural entre nós, nomeadamente o Anselmo Ralph?
Ou seja: a construção de cidadãos mais esclarecidos e instruídos, fator de sucesso das sociedades contemporâneas, deveria ser levada mais a sério. Sim, deveria, mas…
… Mas, entendamos que o próximo ano é de eleições municipais. O clarim da batalha soou. Vai ser quem pode mais… Digo, gastar! E vão todos direitinhos ao erário público, sem pedir autorização a ninguém. O que interessa é a festa. Anselmo Ralph será apenas um exemplo do cartaz turístico regional. É a cultura, como diria o outro. E pagaremos bem para que encante os turistas repescados, mais do que a própria natureza possa encantar. Que vão encher hotéis, casas de alojamento rural e turístico, cafés e restaurantes, bodegas e giftshops, empresas de aluguer automóvel, e outras. E isso é bom. É bom porque é o Ralph. E o Ralph tem o incrível poder de puxar por toda a economia local. É dizer, a propósito: louvado sejas, Ralph, e bem-vindo a estas ilhas maravilhosas. 
Mais tarde, para nos saciarmos até à gula, vamos ler Dan Brown e o seu sempre novo e original,“Origin”. Faltam menos de doze meses!
Luís Soares Almeida

4 de abril de 2016

Panama Papers ou a História da miséria

O dossier "Panama Papers" tem uma dimensão dantesca, como nos revela esta peça do jornal Observador. E lembro que muitas vezes me ensinaram que o dinheiro era uma coisa suja, mas nunca me explicaram objetivamente porquê. Só a prática responsável do uso dinheiro ao longo da vida nos ensinou o verdadeiro significado da expressão, mas também o seu contrário.
O dinheiro é bom, porque nos permite fazer coisas boas, adquirir bens que torna a vida mais fácil, como ganhar autonomia vital.
O dinheiro, recompensa mais ou menos justa que se tem pelo nosso trabalho, ou por qualquer outra forma legal e transparente, tem um valor inestimável. Mas alguns não sabem ganhá-lo pelas vias normais! E assim, não só fazem batota, como não descontam para o enorme bolo comum do dinheiro público, necessário para a saúde e a educação, pensões de reforma e construção de estradas, desenvolvimento técnico e científico e para a cultura, entre tantas outras coisas primordiais para o bom funcionamento de uma sociedade, de um Estado, de uma nação!
De modo que não é apenas a carência de dinheiro que é um problema. O excesso dele é uma enorme fonte de problemas, de tal modo que foi capaz de produzir uma montanha de contornos verdadeiramente dantescos.
Ainda que o processo vá no adro, já se adivinham as ondas de choque a chegar! É uma história de miséria! É triste!




3 de abril de 2016

Catarina e os dinossauros

Catarina, do Bloco de Esquerda, disse que Pedro Passos Coelho é o passado, e que só olha para o passado, e por isso não pode "fazer caminho para a frente".
É isso mesmo, Catarina, no nosso friso cronológico, passado vem depois de pré-histórico, que foi de onde Catarina parece não ter saído.
O passado constrói o futuro e é depositário de uma enorme sabedoria e experiência fulcrais para os tempos que aí vêm!


7 de março de 2016

E, no entanto, gere-se

Claro que se todos fôssemos muito ricos a vida seria muito mais simples e mais confortável. Não nos preocuparíamos que os gastos de hoje não pudessem ter provisão amanhã. Ou que a conta do dentista não nos retirasse aquele pequeno fundo de maneio que serviria para um novo eletrodoméstico que tanta falta faz nas nossas casas.
Como milhões de pessoas por esse mundo fora, oriundas de uma pretensa classe média, que conheceu já dias mais prósperos, andamos a suportar os desiquilíbrios de uma economia débil e desajustada, e de um Estado comilão e improdutivo. E, no entanto, não somos nós, trabalhadores do setor privado, que mais nos queixamos.
Por isso, todos os dias somos convocados a gerir orçamentos magros e restritivos, e isso permite-nos obter experiências extraordinárias de responsabilidade e de boas práticas de gestão. Com grande sacrifícios.
Porque assim exigem os tempos!

6 de março de 2016

A Cartilha

In Açoriano Oriental, 5ª feira, 3 de março de 2016

A democracia é assim. Ainda há pouco elegemos o Presidente da República, como em breve estamos em pré-campanha política para eleger o Presidente do Governo Regional dos Açores. E cabe a todos defender, seja por que via for, aquilo em que se acredita. É o que torna o sistema salubre: podemos decidir livremente, e em consciência, a opção que melhor serve os destinos de uma sociedade plural, livre e democrática.
E, viajando na corrente, não poderia deixar de refletir nas inúmeras aptidões - as competências, em inglês “skills” – que um líder político deve abarcar, que não de forma explícita, pelo menos, implícita. As mesmas aptidões que mais tarde marcarão o estilo de governação.
E um líder deve ter “soft and hard skills” . Tem de saber desafiar os próprios desafios. De conceber e construir a diferença. Tem de ser suficientemente maduro, responsável e consciente para desempenhar os cargos. De não temer o poder da verdade. De não emitir juízos precipitados sobre os adversários (sobretudo quando está em jogo o interesse público e coletivo). Deve partilhar a informação e o conhecimento, ao invés de guardá-los para uma ocasião vantajosa. Aproveitar as oportunidades que lhe foram concedidas. De assumir a sua responsabilidade na primeira pessoa. Projetar as suas e as ideias dos demais no futuro – debatendo-as, escrutinando-as, validando-as.
O líder político também deve ser ideologicamente evoluído, capaz de compreender a realidade para transformá-la em algo maior. Sem correntes de submissão ou subserviência. Sem revoltas disruptivas. Sem perturbações domésticas. Sem escravidões de nível intelectual. Sem complexos que obstruam o valor de uma estratégia real e coletiva. Sem rasteiras que surjam do passado. Sem tiques sórdidos que, outros, outrora, ou os mesmos de sempre, carregam nas suas longas e gastas carreiras políticas.
E, por último, o momento da governação, ou, como diz o ditado, não se nasce aprendido. Mas como? Sobretudo, orientando a governação para as pessoas. Responsabilizando os maus pelos erros do passado. Acabando com a proteção de setores improdutivos. Reformando as instituições que não produzam resultados ou conhecimento úteis. Cortando despesa supérflua e atenuando o défice público. Aproveitando melhor os recursos disponíveis como se fossem os últimos. Reduzindo os encargos com a classe média empreendedora e produtiva. Combatendo a evasão fiscal. Moralizando os cargos e os gestores públicos. Promovendo a ética na política e nos negócios – reescrever um novo código de valores para políticos e gestores públicos. Orientando as estratégias das empresas para um mercado hipercompetitivo. Promovendo fontes renováveis de energia. Aprofundando o debate sobre desenvolvimento central e desenvolvimento local, garantindo a sustentabilidade de qualquer iniciativa de foro público ou privado – em regime de parceria e não de paternalismo.

14 de fevereiro de 2016

"Céu Nublado com Boas Abertas"



"Céu Nublado com Boas Abertas" é um romance, mas bem poderia ser um diário. Já explico: Nuno Costa Santos é o escritor, mas é difícil deixar de ouvir a sua voz e rever a sua personalidade no narrador que é também o protagonista desta história. Explico de outra forma: conheço o Nuno, e o seu percurso, desde muito cedo. Logo compreendo algumas das entrelinhas deste livro.
Editado pela Quetzal, "Céu Nublado com Boas Abertas" é uma história que começa com o pretexto de fazer a vontade tardia do avô, anotada num "recado" deixado propositadamente esquecido num livro, a pedir que fosse encontrado um dia por alguém: "se tiver um descendente que se interesse pela escrita, peço-lhe para ir a São Miguel e trazer no regresso um conjunto de histórias do presente da ilha. Mas não se fatigue demasiado, que viva a vida que não consegui viver."
Repleto de referências a lugares e a factos reais - uns recortados da imprensa local, outros marcantes para a sua geração, e outros mais recentes - este texto é o diário de um regresso à terra do "português", onde o absurdo do que lhe vai acontecendo alterna com o relato escrito do avô sobre a sua luta contra a tuberculose durante a reclusão no sanatório do Caramulo. 
Neste livro, são inúmeras as notas biográficas, e registo a seguinte: "nunca perdoarei à Faculdade de Direito ter sepultado a minha adolescência."
"Céu Nublado com Boas Abertas" talvez porque, como o próprio narrador confessa, na falta da metade cinzenta do céu tipicamente açoriano, sente o vazio interior que o céu azul não preenche.
Parabéns Nuno! E um abraço!

31 de outubro de 2015

Europeu e liberal

in Açoriano Oriental, 29 de outubro

Mais ou menos em meados do século XIX, enquanto viajava pelo mundo a bordo do Beagle, Charles Darwin foi considerado um liberal porque se insurgiu contra a escravatura dos negros vindos de África para trabalhar nas plantações dos brancos, sobretudo no Brasil.
Darwin foi um liberal com uma distância de quase 200 anos, e postulou, entrou outras ideias, a hipótese de os seres humanos serem apenas uma espécie única, em todo o mundo, ou se negros, asiáticos e demais tipos humanos eram espécies separadas.
A resposta óbvia e cientificamente aceite é: todos descendemos de um mesmo antepassado comum.
Darwin defendeu, não sem a oposição e o ostracismo de muitos dos seus coevos, a libertação imediata de toda a forma de escravatura humana fosse em que paragem do planeta estivesse instituída, e ponha em causa a tese de que seria o homem branco o pináculo da criação.
Ter sido um liberal, ter defendido o fim da escravatura no seu tempo, não é apenas uma questão de pormenor. É um extraordinário exemplo para os nossos dias.
Hoje ser-se liberal tem toda uma semântica perversa de se ser contra o progresso ou contra a felicidade humana, quando, na sua origem, liberal é precisamente defender-se o progresso social da coletividade e a realização individual de cada um.
Enquanto tese, o liberalismo não mudou nem uma vírgula. O que mudou foi a perspetiva crítica com que os antiliberais se apoderaram da circunstância histórica de crise e de depressão, para arrasar (sim, arrasar é mesmo o termo) a sua virtude.
O que se passou recentemente em alguns países, incluindo o nosso, foi um ataque permanente ao liberalismo vindo de uma certa esquerda radical.
Pois bem, com a perspetiva no horizonte de Portugal vir a ter um governo com representantes dessa esquerda antiliberal, nunca um liberalismo moderno e progressista foi tão necessário.
Darwin, hoje, liberal moderno, acreditaria, por exemplo, em: eleições livres e democráticas, direito à propriedade privada e ao livre comércio, liberdade de imprensa e de religião, na livre circulação de pessoas, entre tantas outras coisas.
E que isso não teria nada de perverso, ou de retrógrado. Absolutamente nada.
Até antes pelo contrário!
O contraponto de um liberal moderno é um revolucionário de esquerda. Leia-se, a propósito, o editorial da página de um órgão de difusão de esquerda (http://www.lutapopularonline.org) sobre as eleições legislativas de 4 de outubro último. Transcrevo uma passagem em que a esquerda… fala da esquerda: “Passou hoje uma semana sobre a realização do último sufrágio para a Assembleia da República. (…) que em terceiro lugar ficou o Bloco da classe média urbana e da esquerda caviar e, por derradeiro, o partido revisionista e social-fascista de Jerónimo de Sousa,(…) .”
Não resisti a dar umas boas, mas respeitosas, gargalhadas. Afinal de contas, o ambiente entre as esquerdas revolucionárias está azedo e revela os conflitos de consciência entre a militância ideológica de resistência e a frivolidade pragmática do Euro sistema!
À margem disso, como Darwin, considero-me um liberal. E nunca estive tão convicto de estar do lado certo!

12 de agosto de 2015

Do pântano

in Açoriano Oriental, 6 de agosto de 2015

Frequentemente dou por mim a pensar que o “combustível” que faz crescer um país economicamente não é apenas o de origem fóssil. 

O precioso carburante económico, pelo contrário, vive bem no meio de nós: somos nós. É o principal! 

Ou seja: a massa de recursos humanos de um pais, a sua inesgotável capacidade de criar, transformar e produzir, é capaz de, per si, fazer crescer uma economia, gerar emprego, distribuir riqueza, preparar o futuro e desonerar de certa forma o peso excessivo do estado na economia. O debate deveria estar na ordem da agenda política. Mas isso exigiria muito mais do que um pacto de regime entre os maiores partidos, talvez uma espécie de concordata política que vigorasse para, pelo menos, um período geracional.

Era esta coerência que eu gostaria de ouvir dos partidos políticos que apregoam crescimento e sustentabilidade. Ao invés, ouvimos recorrentemente promessas e compromissos que sabem serem impossíveis de cumprir, mas insistem em fazer-nos acreditar que o eldorado é possível. Um país enriquece se investir estrategicamente os recursos financeiros disponíveis naquilo que é capaz de produzir e vender ao exterior, esperando um retorno justo e suficiente. 

Em Portugal habituamo-nos ao conceito errado de que injetar dinheiro na economia gera crescimento. Apesar de haver Prémios Nobel que defendam estas medidas para países como o nosso, nada mais errado. 

No fundo a economia lusa é muito daquilo que somos culturalmente, e estamos sempre em busca de termos para justificar as nossas fragilidades tradicionais. Metáforas como o “pântano”, ou “o país está de tanga”, tornaram-se paliativos para arriar a grande alma portuguesa, e reduzir a nossa tímida capacidade de sermos empreendedores e criativos na busca de soluções diferentes para problemas antigos. 

Mas a realidade é que o país confrontou-se finalmente com a verdade derradeira. E, ou mudamos de uma vez por todas, ou afundarmo-nos é um pequeno passo. 

Não queremos voltar a um passado despesista, improdutivo e despreocupado com o futuro, porque sabemo-lo, a custo, que os recursos não são infinitos, e quando parecem ser, cedo ou tarde, pagamo-los com juros, desemprego e austeridade.

Lembro-me sempre de como estava o país em maio de 2011, quando da chegada da troika, e de como esta saiu na data prevista, três anos depois, com um cenário macro-económico como há muito se não via. O resto da história já todos conhecem. 

Foi assim em Portugal. Não foi assim na Grécia. A nossa história recente é a história da nossa dívida. E, como tal, repito, não podemos esquecer. Não são tempos de sim senhores ministros, como não são tempos de carpideiras. O futuro é coisa séria e deve ser responsabilidade de cada português. Todos fomos e seremos chamados a fazer parte da solução. E hoje que a névoa assentou já, vemos com mais facilidade algumas opções difíceis que os governantes atuais tiveram de tomar. Esta é a verdade. Tudo o resto é politiquice e caça ao voto.

Luís Soares Almeida

23 de julho de 2015

Welcomeazores.com




Ideias há Muitas, in Açoriano Oriental, 23 de julho de 2015

O ano zero das companhias aéreas low cost na Região está a saldar-se por um êxito retumbante. A operação vai para quatro meses e é ver os resultados. Imaginamos já o que governantes, empresários e líderes da oposição dirão no primeiro momento de celebração. Aparentemente estão todos satisfeitos. E não é para menos. Verdade se diga sobre o sucesso a que assistimos ter um mérito tripartido. Se há efeito que sobressai rapidamente deste novo eldorado da economia insular, é o retorno e o desenvolvimento económico e financeiro que todos estes turistas estão a tornar possível. E é curioso que não é só na hotelaria que as coisas mudaram. Todos os setores ligados, direta ou indiretamente, ao turismo, estão a sentir os efeitos deste boom, apesar deHAVER setores de atividade de apoio e de suporte ao turismo que ainda nem foram criados, e que surgirão naturalmente em devido tempo, com o know how necessário, que vá ao encontro das necessidades dos turistas que nos visitam. 

Mas depois do boom, depois de satisfeita a quantidade, seria bom que nos focássemos na qualidade, pois é por aí que nos vamos diferenciar. Pelo menos foi assim que outros se diferenciaram. É prudente que se aprenda com os outros.

Deveria ter começado por dizer que não viajo com muita frequência, como tal não me sinto com a legitimidade q.b. para dissertar sobre o assunto turismo. Mas pelo que vou bebendo daqui e dali, pelo que vou observando pelas viagens, sobretudo domésticas, que vou fazendo pelo país, julgo ser capaz de opinar sobre a qualidade que pretendemos para o nosso turismo. 

Já ouviram dizer que o nosso potencial turístico é como a galinha dos ovos de ouro. E normalmente o que fazemos a uma galinha com este perfil senão explorá-la até à exaustão, como se amanhã não houvesse, que quando nos dermos conta do fim do maná, nem galinha, nem ovos, nem nada. Portanto, reaprendamos a fábula e não deixemos que apenas a memória dela nos console num futuro próximo e tomemos consciência do quão importante é termos um turismo de natureza sustentável para o futuro. Ou seja: já foi pensado fazer-se algum estudo de dimensão ambiental e económica da nossa real capacidade para receber um determinado número de turistas, tal como sugeria os Amigos dos Açores recentemente? Foi pensado algum plano de contingência caso o número de turistas aumente indefinidamente e este crescimento coloque em causa o equilíbrio das nossas reservas e habitats naturais? Temos estruturas auxiliares, como postos de turismo, polícias especializadas, serviços de intervenção médica rápida, entre outras, capazes de dar uma resposta assertiva e breve a qualquer questão que seja criada por esta avalanche de visitantes? E sendo nós uma região descontinuada, débil do ponto de vista económico, o que vamos fazer para aproveitar osLUCROS deste turismo para relançar e diversificar outros setores de atividade económica que venham a desempenhar um papel estruturante no emprego e no PIB regional?

Porque quanto a turistas, serão cada vez mais. E é esse conhecimento sobre o número e a capacidade em recebê-los que se torna importante monitorizar.

9 de julho de 2015

Alexis , Yanis e a falácia utópica


Há uns dias atrás, alguém desabafava, nesta vasta rede social que dá pelo nome de Facebook, de que assistira a um debate em que um dos interlocutores teria dito que era grande a probabilidade de uma guerra na Europa lá para 2020. E, sim, é verdade, é uma plausibilidade. No entanto, este espetro tem estado sobre as nossas cabeças desde há muitas décadas, com especial incidência nos anos da Guerra Fria. Houve momentos nos últimos 60 anos em que a Europa esteve muito mais à beira de um conflito do que hoje. Esta, não sendo uma ideia descartável, não deixa de valer o que vale no campo das probabilidades, ou seja, pouco. Não deve ser posta de parte, ou refutada. Há hoje, em todo o perímetro Ocidental, uma crise aguda, com várias camadas, em diversos tempos, de diferentes naturezas – confinar a crise a meras questões contabilísticas, é redutor e irreal. A crise é mais do que isso, mais profunda, mais subjetiva, mais complexa. E enquanto olharmos para ela com os filtros de um passado reacionário – o dizer por exemplo vem aí uma guerra – ou com filtros demasiado vanguardistas – dizer, por exemplo, “no pása nada” - estaremos a fazer juízos pouco isentos sobre esse mesmo passado, quase exclusivamente porque isso traz um pensamento político agravado que não o atual vigente.
Portanto, deve ter-se uma nova abordagem da História para que possamos também ter uma visão clara e coerente do futuro de curto e de longo prazo.
Ou seja: dizer-se hoje que a Europa não tem futuro e que poderá estar em guerra em 2020 é contribuir drasticamente para que este estado de coisas surja como natural e consequente, e não é nem uma perspetiva irrealista, nem uma perspetiva pessimista; É pior ainda, é falar contra o próprio processo político e económico europeu. Eu cresci a sonhar com um ideal europeu, fosse ele qual fosse. Não vou desistir, muito menos falar mal dele. E não é por uma crise alimentada por um país membro de pleno direito, e recetor de ajuda financeira sem fim e de know how, que desistiremos do sonho.

O futuro da Europa passa por padrões sustentados de desenvolvimento, pelo cumprimento de apertadas regras contabilísticas, emanadas, claro, de um centro gravitacional de poder político e económico chamado Bruxelas. E isso já todos percebemos. Resta saber o que estamos dispostos a fazer para manter esse ideal? E por se tratar de um ideal, isto é, de um processo que exige dinâmica e realismo, não devemos, nem podemos, acreditar nas falácias próprias das mentes utópicas (helénicas): a de que vai correr tudo bem (falácia da melhor das hipóteses) e a de que somos todos iguais (a falácia do nascido livre). Estas duas tiveram, citando Roger Scruton, na origem da política de massas do nazismo e do comunismo e contaminaram toda a cultura do século vinte, com resultados visivelmente nefastos para a Humanidade. E se a Utopia tem origem em pressupostos falaciosos, e tudo o que criou foi a destruição do próprio Homem, então o teatro da História ensina-nos os caminhos que não devemos seguir ou acreditar. E, sim, é mais que tempo da Europa acordar e colocar a mão na massa. Pode ser que esta crise tenha servido para isto mesmo. E urge defender aquilo que somos.

in Açoriano Oriental, 9 de julho de 2015

15 de maio de 2015

Organizem-se

Se fosse feito um inquérito exaustivo ao estado de salubridade das democracias europeias ocidentais, arrisco dizer que teríamos resultados surpreendentes. Isto porque – arrisco novamente - se perguntarem aos jovens (sobretudo dos países do sul) se confiam nos seus políticos, a resposta será pouco complacente: Não, não confiamos! E por que motivo confiariam, pergunto eu?
E não é pelas democracias do norte da Europa estarem melhores que as do sul que digo o que digo, mas sempre as do norte pagam impostos e sentem-se felizes. E vivem numa espécie de pacto social tranquilo e frutífero.
É mais a sul que estão secularmente enraizados determinados hábitos e comportamentos que comprometem os índices de uma democracia sã. Reparem na quantidade de políticos desastrosos que governaram a Europa, a sul, nas últimas décadas, todos eles abraçados a défices públicos ruinosos, e, o que é pior, a interpretações totalmente desajustadas dos problemas por que tiveram de passar, e as consequências averbadas dessas políticas erradas. E tanto saíram como rapidamente – alguns – querem voltar, como se não lembrassem mais da sua efémera passagem pelo poder. Há inúmeros maus exemplos de indivíduos que fazem da política a sua carreira profissional. E não é assim que deveria ser.
A política é uma opção temporária na vida de uma pessoa, não dura para sempre, nem a lei deveria permitir a perpetuação da ocupação de um cargo político por períodos demasiado longos de tempo. Ou cargos alternados. Ou interrompidos. Aliás, a lei deveria prever os anos que poderiam ser dedicados aos cargos políticos ao longo da vida de um cidadão. Sim, a discussão é longa, eu sei.  
Mas seja como for, as democracias estão a mudar. E vão mudar ainda mais. É inerente à condição da sociedade humana. É inerente à nossa dinâmica. Nós não evoluímos regressando ao passado. O futuro é sempre amanhã e é para a frente. É condição obrigatória que estas mudanças nos tragam melhores políticos e governantes de longo prazo, ágeis e inteligentes o suficiente, e que tracem novas rotas de desenvolvimento sustentado. E tanto quanto possível que essa nova vaga de governantes cumpram as leis e as regras de uma urbanidade algures perdida no tempo. Para bem do Estado. Das Nações. E do Futuro.
Se os jovens europeus, e não só jovens, e não só europeus, não confiam nos seus representantes políticos, então a democracia está enferma.
Far-nos-ia bem regressar às raízes profundas da história da democracia no ocidente. Constataríamos que a democracia dos nossos dias é diferente da democracia que os nossos pais usufruíram, não estruturalmente (porque aí a democracia não pode mudar, senão não seria democracia), mas colateralmente. A própria essência da democracia mudou. E devemos mudar com ela. Rapidamente e sem dor.
Publicada in Açoriano Oriental, 14 de maio de 2015

1 de maio de 2015

Meet Witt

Conheçamos Josephine Witt, 21 anos, cidadã europeia, estudante de artes, e que se tornou estrela dos média europeus e mundiais por ter perpetrado um ataque inócuo, mas bizarro quanto baste, contra o presidente do Banco Central Europeu, e que causou inevitavelmente um grande susto, ao que se seguiu um enorme aparato de seguranças e assessores a lançarem-se para cima da jovem com o intuito de a neutralizar. Witt facilmente conseguira registar-se como jornalista, embora sem o ser, via Internet, e rapidamente recebera a acreditação que imprimira para entrar no edifício. À primeira oportunidade lançou-se contra a mesa onde se encontrava Draghi e despejou sobre ele, imagine-se, confetis. O que poderia parecer festivo foi um protesto alternativo contra pessoas que, como ela própria diz, não estão habituadas à crítica. Em entrevista ao jornal Expresso, Witt, que pertenceu já ao movimento feminista Femen, disse ter realizado este ataque pacífico como forma de protesto contra o recém inaugurado edifício sede do Banco Central Europeu, localizado em Frankfurt, uma torre moderna e exuberante, e onde se refugiaram os administradores enquanto duravam os protestos na rua. Mais tarde, quando transportada para a esquadra, diz ter-se rido com os polícias, que lhe foram simpáticos, por ser jovem e bonita… 

E agora que já conhecemos Josephine Witt e os seus 15 segundos de fama, o que podemos pensar disto tudo? Parece-me que Witt faz parte de um modelo novo de contestação social e política que varre a Europa, como também representa as expectativas que toda uma juventude tem das políticas e dos políticos europeus. Não mais contam as causas mais ou menos profundas ou em nome de que ideologia se protesta. E sim, a Europa mudou. Mudou muito. Quem pensasse o contrário, que tal nunca aconteceria, não poderia estar a falar sério. Os desafios do velho continente não são, porque não poderiam ser mais, os mesmos de há quarenta ou cinquenta anos atrás. E os euro situacionistas, alguns nostálgicos resistentes defensores dos valores fundadores e primordiais, não acompanharam o mundo em que vivemos. Sobretudo a dita esquerda moderna, outrora conhecida como radical, que cresce sem rei nem roque, é hoje o reflexo esquizofrénico, no melhor sentido da palavra, de uma paleta difusa de ideologias e conteúdos programáticos que vão desde o marxismo até ao mais puro liberalismo. Essa nova esquerda pretende conciliar a fábrica e a produção em massa regadas com programas de subsidiariedade social que abranjam tudo e todos a uma escala nunca antes vista. Defender, pois, consumo e produção como princípios orientadores para resolver os problemas da pobreza no velho continente, e utilizar a riqueza excedentária para sustentar uma franja social desmotivada e deseducada no trabalho parece ser um modelo sem mais chão por onde se aplicar. Não pela justiça do sistema em teoria, mas pelo seu falhanço no terreno, pela impraticabilidade de tais políticas. Indigna-me que alguém no auge das suas capacidades físicas e mentais recuse um trabalho, porque desde que seja digno e a troco de x horas e y tarefas receber um salário, é sempre melhor do que ver os dias passar sem fazer pela vida e pelo futuro. Mas estamos perante um outro paradoxo. Se pensarmos que aquilo a que chamamos esquerda, moderna ou não, não é mais do que uma generalização daquilo que tradicionalmente chamamos anarquia, e daí compararmos com o exemplo do Syriza, ou seja, uma estrutura política ampla quanto imaginável que abarca sensibilidades que vão da extrema-esquerda, à social-democracia, à extrema-direita moderada, então compreenderemos melhor o fenómeno. Na Grécia, todos fazem parte do Syriza, todas as fações cabem lá. Josephine Witt não é grega, mas é do Syriza. Pode até nem ser de esquerda, mas é do Syriza. E daí a dificuldade que crassa num certo establishment ideológico que varre a Europa. E que acabará por nos varrer a nós?

In Açoriano Oriental, 5ª feira, 30 de abril de 2015

17 de abril de 2015

O primado das (boas) ideias


Um dos mitos modernos sobre o crescimento de uma economia é a disponibilidade suficiente de recursos financeiros que permitam o investimento multiplicador.
Não sendo eu um especialista na matéria, pelo menos academicamente, permito-me discordar totalmente de tal raciocínio.
Ou seja: numa possível hierarquia de condicionalismos favoráveis ao desenvolvimento de uma Economia, a disponibilidade, abundante ou não, de recursos e instrumentos financeiros, per si, vale muito pouco. O dinheiro sozinho não é criativo nem gera ideias, e o que determinará, ou não, o sucesso de um determinado negócio, pouco terá que ver com ele.
Deste modo, o ponto fulcral do sucesso sustentado de uma empresa, ou de uma economia, está mais perto da geração de grandes e boas ideias, passíveis de, perante um determinado montante investido, gerar receitas suficientes para a sua manutenção e/ou crescimento.
Por isso o investimento primeiro deveria ir todo para o desenvolvimento de sistemas cognitivos e informacionais que qualificassem melhor os agentes que mais tarde terão a possibilidade e a ventura de se tornarem investidores.
Um famoso líder chinês do século XX, ao visitar uma turma finalista de engenheiros numa famosa universidade, aconselhou os alunos a estudarem de seguida inteligência emocional e competências humanas. E este é o busílis ao qual muitos resistem. O empresariado português – não todo, mas algum – preferiu, durante demasiado tempo, o lucro fácil que permitia passear nas avenidas largas todo o tipo de exuberância material, em vez de alocar a riqueza decorrente dos seus negócios ao auto investimento e ao investimento nos seus colaboradores, sobretudo em ofertas formativas adequadas e progressivas às necessidades futuras. Esta é uma evidência muitas vezes escamoteada, e numa altura em que o país está a braços com dificuldades, não deixa de ser verdade refletir que esse mesmo país não soube aproveitar oportunidades historicamente favoráveis de que beneficiou.
Pode parecer completamente supérfluo, mas o desenvolvimento alicerçado em grandes ideias melhora a vida das pessoas e permite cimentar a sustentabilidade de uma economia. O resultado do investimento cognitivo e informacional, por vezes imensurável em 10 anos, leva tempo e corre no longo prazo. Não sendo ninguém dono de uma verdade absoluta, que diga exatamente como fazer e ter sucesso – isso só existe no cinema -, poderíamos ser, quiçá, um pouco mais humildes e parar de reclamar tantos direitos e exigi-los em públicas manifestações e greves que, não só nos faz atrasar ainda mais, como coarta o fluxo das ideias (boas) de que tanto necessitamos.
E um trabalho que está por fazer é o estudo das “socalled” ideias empreendedoras que originaram empresas financiadas, e o tempo que foram capazes em manter-se abertas por um período mais ou menos longo de tempo, bem como o retorno e o benefício que as mesmas devolveram à economia. E os resultados do estudo que servissem de alavanca de reorientação das prioridades futuras de investimento na Europa, no país e na região.
in Açoriano Oriental, 5ª feira, 16 de abril de 2015.

13 de abril de 2015

É tão curta a nossa memória coletiva?

2015. Quando olho para trás, para a distância dos 4 anos que passaram desde a entrada em Portugal dos nossos amigos e parceiros membros da Troika, e penso onde estivemos, por onde passamos, e onde queremos estar, tenho uma estranha, mas simbólica sensação de déja-vu, como se fosse atingido por uma suposta aragem useira e vezeira de mudança e de inovação, idealizada pela suposta esquerda moderada portuguesa, mas que no entanto de tão repetida e falhada até se me dá arrepios pela espinha acima. E o regresso do PS nacional ao poder, nesta fase ainda, não só pode parecer um pesadelo, que nos deve retirar o sono, como é do mais trágico que nos poderia acontecer. Não por ser o PS - em outras épocas defendi que regressassem rapidamente ao poder. Mas nesta fase, e no contexto atual, o PS não pode ser a melhor solução, é um partido verdadeiramente inerte, sem proposta global alternativa para a Europa, muito menos para o páis. O único indício de vitória que sopra para os lados do Rato são as sondagens que por um período de seis meses deu Costa. Mas só até há uma semana atrás. Entretanto, a maré começou a virar? 

Mao, o Perfeito Ditador

O século XX foi pródigo em ditadores que não deixam boas recordações. E há uma certa linguagem historiográfica que tende a exaltar o pior dos ditadores, e normalmente vêm à discussão dois nomes: Adolf Hitler e Joseph Estaline. As suas ações são sobejamente conhecidas, com as consequências nefastas irreversíveis, e os seus estilos de liderança mudaram o curso da própria História para sempre.
Mas há ainda muita História do século XX por descobrir. O ícone da Revolução Chinesa e fundador da República Popular da China é um elemento chave para se compreender o século mais complexo e paradoxal da Humanidade.
Homem de uma notável energia e capacidade para preparar o futuro, há quem o atribua a responsabilidade pelo que é hoje a China ao nível económico. Não andaremos longe da verdade se dissermos que terá sido o pior de todos os ditadores, pelo menos no número de condenados à morte, torturas e perseguições - como é óbvio na China qualquer número é sempre um colosso.
Por todas as dimensões boas e más que possuiu, é um pedaço da História que não podemos esquecer e que vale a pena conhecer melhor.

29 de janeiro de 2015

Borges, autor de "História da Eternidade"

Jorge Luís Borges merece um lugar de destaque na história mundial da literatura. Quem nunca se deliciou com o conto "Biblioteca de Babel" ou " O Jardim de Veredas que se Bifurcam", provavelmente ainda não experimentou do melhor da fição mundial do século XX.

Nasceu em Buenos Aires, 1899, faleceu em Genebra, 1986.

É autor deste conjunto de ensaios, "História da Eternidade".

23 de janeiro de 2015

A Europa de Sartre morreu?

in AO, 22 de janeiro de 2015

Charlie Hebdo, afinal, é quem? A pergunta é retórica. E, claro, não tem uma resposta concreta, porque depende do ponto de vista que se adote. E pontos de vista sobre o atentado terrorista de Paris são mais do que muitos. E todos eles, a uma certa altura, contradizem-se quanto a questões tão básicas como a defesa da própria liberdade de expressão e os seus limites. É inevitável que coloquemos sempre à frente a liberdade de expressão. Foi assim que aprendemos. Mas depois dizer orgulhosamente que deste modo vencemos a guerra contra os terroristas, que não nos amedrontamos com ameaças daquelas, de que estamos dispostos a combater com a própria vida a nossa liberdade, parece-me presunção em demasia, pois não é fácil dizer-se que se venceu a guerra contra o terrorismo.
Contudo, há um reverso da moeda, um fator de risco de que a Europa Ocidental não pode a qualquer custo esquecer: a guerra em torno daquilo que é a liberdade de expressão, os seus limites, e aquilo que é a responsabilidade de cada um, seja jornalista, cartoonista, comunicador, opinador, ou um simples cidadão.
Ou seja: a discussão em torno dos limites da liberdade de expressão é uma discussão eterna e aberta, e voltou à ribalta do modo e no tom que os próprios jihadistas assim o definiram e o desejaram. Em primeiro lugar, sabiam que não haveria um consenso (e não há) entre os livres-pensadores do Charlie Hebdo e a tradicional estrutura religiosa europeia, assim como os setores mais conservadores da sociedade; Depois, os terroristas também o sabem, que em tempo de depressão social e económica é perfeitamente possível lançar uma discussão caótica sem fim à vista, autodestrutiva, em torno de um dos pilares do velho continente: a liberdade de expressão. E, terceira questão, quem faz um ataque brutal daqueles não programou apenas a semana seguinte de consternação e revolta, mas as ondas de choque estariam, a priori, previstas.
Ora, tudo isso faz com que do lado de cá defendamos ainda mais acerrimamente a liberdade de expressão; E do lado de lá, que se alimente ainda mais o direito à revolta e à indignação. É bizarro, mas no terreno é assim que as coisas se passam.
A defesa da liberdade de expressão, em massa, nas ruas, é legítima. Eu também andaria por lá. Porém, essa defesa não se pode tornar em algo de irracional quando a própria causa se tornou ela mesmo irracional. Quem, todos os dias, se dispõe a troçar dos usos e costumes do vizinho do lado, absolutamente distintos dos nossos, sujeita-se a que ele não apenas não me aceite, como legitime a sua resposta, seja no grau soft, seja em versão radical. Foi essa a reação dos radicais islâmicos, a versão hard, aquela de que não gostamos. E daí devemos retirar algumas ilações.
A liberdade de expressão deve ser preservada sem qualquer reserva ideológica, cultural, ou filosófica. Contudo não vive de atitudes persecutórias a um credo religioso ou crença política, nem pode ser posta em perigo o seu pleno uso, mesmo que por uma obstinação absurda de que uma determinada ideia tem de passar a qualquer preço – no concreto, os cartoons do profeta islâmico.

9 de outubro de 2014

World peace is none of your business

World peace is none of your business, de Morrissey, não é só um disco que denuncia o perigoso mundo militarizado em que vivemos, como um sério alerta para um certo estilo de vida ocidental. Polémico, provocatório, como foi toda a intervenção artístico-cultural do século XX. Uma excelente sonoridade, letras bem "esgalhadas". Morrissey alertou-nos, fez a sua parte. Agora que toque por muitos e muitos anos.

World peace is none of your business
You must not tamper with arrangements
Work hard and sweetly pay your taxes
Never asking what for
Oh, you poor little fool- oh, you fool

World peace is none of your business
Police will stun you with their stun guns
Or they'll disable you with tasers
That's what government's for
Oh, you poor little fool- oh, you fool

World peace is none of your business
So would you kindly keep your nose out
The rich must profit and get richer
And the poor must stay poor
Oh, you poor little fool- oh, you fool

Each time you vote you support the process
Each time you vote you support the process
Each time you vote you support the process
Brazil and Bahrain
Oh, Egypt, Ukraine
So many people in pain
No more, you poor little fool
No more, you fool

25 de janeiro de 2014

Ser genuíno não basta, há que parecê-lo

Ideias há muitas, in Açoriano Oriental, quinta feira 23.01.2014

Imagem extraída Google.


Ainda a memória de rei Eusébio era por todos chorada, eis que outro, por enquanto ainda candidato a rei, elevou o nome do país. No momento em que Pelé, outro rei, pronunciou o nome de Cristiano Ronaldo, este curva-se feliz para a sua esquerda e encontra os lábios da noiva para um beijo de celebração. Por um momento esperei que a seu lado estivesse Lionel Messi e que os dois se abraçassem em fraterno fair play. Mas separava-os Irina Shayik. Só depois Cristiano se levantou e se dirigiu ao seu terno rival, antes ainda de subir ao palco para receber a bola de ouro. E enquanto a voz se lhe embargava, os portugueses humedeciam os cantos dos olhos com fluidos lacrimais, atentos às suas primeiras e surpreendentes palavras. E Cristiano dispara e agradece a dois grandes senhores: a Eusébio e a “Mandiba”, ou como era também conhecido Nelson Mandela. Posto de lado o lapso fonético, mais que provável devido ao nervosinho que carregava, do que de falta de aconselhamento dos seus assessores, Cristiano foi brilhante. Brilhante não pelas suas onerosas palavras ou elaboradas estruturas sintáticas; Não pela desajeitada pose de homem que apesar da fortuna e do estrelato não deixa nunca de ser a simplicidade que é; Não também pela imagem que a sua mãe emocionada deixou passar perante o mundo inteiro; Foi por muito mais que isso. Cristiano foi brilhante – e é isso que, no fundo, distingue um homem bom e genuíno de um cínico fanfarrão. E foi-o pela sua acintosa humildade, por um lado, e pela irritante promessa de se esforçar mais e melhor no futuro, por outro. Muitos portugueses nutrem por ele qualquer coisa que está a meio caminho entre a inveja pequenina, mesquinha, e o ciúme tóxico, um ciúme que esconde tudo aquilo que sabem ser sem nunca o esconderem derradeiramente. E são-no porque não podem ser como Cristiano.
Apesar das suas origens humildes, oriundo de uma região autónoma distante, local que por norma não facilita o surgimento de oportunidades, que um dia rumou ao continente para lutar por uma oportunidade no mundo ilusório do futebol, provou-nos, com e sem luva branca, que a retórica grandiloquente, o raciocínio complexo, as origens, o nome de ascendência, por vezes não são entraves à concretização dos sonhos. Por muito grandes e muito altos que aqueles sejam. E até pode ser que à sua volta cresça um mundo de plástico e de histeria social pouco recomendável… E até talvez aconteça que Cristiano sirva de balão de ensaio para uma certa propaganda nacionalista e patriótica… E talvez muito mais coisas menos desejáveis aconteçam à sua volta, mas tal não se deve ao seu talento natural, mas ao exagero de dinheiro que recebe e consequente influência que exerce sobre o ecossistema nacional.
E, a nós, resta aceitar essa condição, mesmo que não nos revejamos nela. Ou achávamos que Afonso Henriques e Vasco da Gama tivessem sido portugueses polidos e figuras urbanas do mais fino e apurado retoque?

3 de dezembro de 2013

Não ao senso comum?

Não Acredite em tudo o que Pensa (Tinta da China, 2013) e A Arte de Pensar com Clareza (Temas e Debates, 2013) são dois títulos preciosos que nos ajudam a manter a salubridade em tempos conturbados. Porque à frente do televisor, assistindo aos petardos lançados por adeptos azuis, em fúria contra um homem que é treinador de futebol, logo falível como qualquer outro, ou vendo no facebook as centenas de partilhas das imagens de John Walker morto e com a cara desfeita (seria mesmo ele?), enquanto nos confrontamos com novas prescrições éticas e morais, lançamos ininterruptas interrogações para a estratosfera informativa sobre o sentido de muita coisa. E ligamos novamente o televisor, ou um minuto no face, para percebermos o quanto encontramos falsas soluções e intermitentes esperanças, como também acreditamos fragilmente que a esperança ainda existe algures no olhar esguio de uma criança traquina e aventureira.
Não Acredite em tudo o que Pensa (subtítulo: Mitos do senso comum na era da austeridade; autor: José Soeiro, Miguel Candina e Nuno Serra) explicam alguns mitos de uma certa classe média urbana que vive espantada com as coisas do mundo. E, sim, a cultura pode viver do mercado, se ela própria foi capaz de gerar um mercado. Este e outros são alguns dos mitos desmontados!
Em A Arte de Pensar com Clareza (subtítulo: 52 erros de raciocínio que não devemos cometer; autor: Rolf Dobelli) confronta-nos com uma série de questões novas e emergentes, para as quais o nosso cérebro não estaria devidamente preparado. Num mundo em mudança acelerada e incessante, as nossas estruturas intelectuais, em alguns aspetos, ainda estão mais perto do homem caçador-recoletor do que do homo nouus.

1 de dezembro de 2013

Humanista e liberal, porque não?

Andei semanas adiando este post, enquanto esperava para ver alguns desenvolvimentos recentes do país, num momento em que se discute muito, se debate ainda mais, reclama-se, indignamo-nos com n coisas, mas fugimos de enfrentar o nosso crónico problema de frente.
As esquerdas portuguesas não querem ver, nem conhecer, as novas realidades emergentes que se sucedem todas as semanas. A bem dizer: as esquerdas portuguesas estão-se nas tintas para os indicadores recentes de crescimento económico, como o aumento das exportações, reequilíbrio da balança comercial, subida ténue da oferta de emprego, subida ténue dos índices de confiança dos consumidores, entre outros.
Mas tudo isso são lugares comuns e frases feitas? Sim, sem dúvida que sim. Mas as evidências começam a falar por si.
Cada vez que vejo e oiço o Dr. Soares, e as suas ferozes palavras contras as direitas, e os seus indignos representantes, hoje na governação, quais monstros das profundezas, sinto que são essas mesmas esquerdas, lideradas por aquele, que se encontram em recessão ideológica e desenquadradas de um tempo que vivemos já por tempo muito longo. Se, durante décadas, as esquerdas lutaram pelos direitos de que todos nós atualmente, direta ou indiretamente, usufruímos, fizeram-no à sombra do crescimento económico e da produtividade. No entanto, embalados pela sua própria cultura social, gastaram para além do suportável, e convenceram-nos de que certos direitos eram inalienáveis, mesmo que no futuro se tornasse insustentável sustentá-los.
Mas se existe um país à esquerda, há outro que não é nem de esquerda, nem de direita, que transpira mudança e inovação, e que, com as dificuldades circunstanciais, quer progredir e fazer o país prosperar. Um país que acredita que a resposta para a insalubridade social está na economia privada, no investimento, na criação, gestão e redistribuição de riqueza, nos empreendedores e nos aventureiros que estão a gerar emprego neste momento sem pedirem licença ao Estado.
Para tal seria bom que a própria teoria liberal se reformasse e evoluísse para um sistema de produção e distribuição de riqueza mais justo e equitativo. Mas isso não compete apenas ao Estado, compete a todos. E se conseguem convencer meio país de que não há capitalistas e neo-liberais nas fileiras socialistas, não convencem a outra metade. De tal modo, que neste momento, a nossa solução coletiva não passa pelo reforço do socialismo. Não e não!
E se o Humanismo é compatível com o Liberalismo? Não tenho qualquer dúvida. E a resposta à emergência social passará uma vez mais pela (re)educação global da sociedade.

24 de outubro de 2013

O Hotel Casino e os indignados da Calheta

Há uns anos atrás participei, por convite, no lançamento da primeira pedra de uma estrutura mista de hotel cinco estrelas e galerias comerciais adjacentes, no local da ex-Calheta de Pêro de Teive em Ponta Delgada. Houve direito a ambiente festivo. Bênção clerical incluída!
No entanto, em paralelo com a cerimónia, com a pompa, e com a circunstância, também houve discursos que apelavam aos empreendedores das nossas ilhas, para que investissem no futuro com confiança. Que arriscassem novas oportunidades de negócio, pois o progresso estava a um palmo de tempo de distância. Enfim, o futuro batia-nos à porta, não interessava se os estudos de impacto e viabilidade económica dissessem até o contrário. O importante era reunir três coisas essenciais: massa crítica, financiamento, contratos, e nada correria mal. Repito: o futuro batia-nos à porta.
Bem, não querendo hoje aqui fazer prova de que um determinado conceito de futuro é melhor do que outros (até porque soaria a alguma falsidade), não se viu futuro brilhante por aquelas paragens, e até as paredes levantadas que lá estão revelam uma tonalidade que até dá dó. E os empreendedores, que entre nós são verdadeiramente raros e preciosos, e estão indevidamente apetrechados e apoiados, quiseram não avançar, e não que os faltasse coragem e adrenalina, mas já que gerem negócios bem mais rotinados e estruturados do que aqueles que lhes prometiam os altifalantes discursivos da festa, mais valia jogar pelo seguro. 
Semanas mais tarde, fomos convocados para uma reunião… E as minhas incertezas aumentaram exponencialmente. E das duas, uma: quem estava a liderar o processo de comercialização dos espaços comerciais ou não acreditava naquilo que fazia, ou mal disfarçava perceber pouco do assunto. Contudo, não sendo do género de tirar ilações precipitadas, falei com outros visados e sondei o que acharam das entrevistas. Sabem a resposta? O sentimento era o mesmo. Qualquer coisa não batia certo. O que se veio tempestivamente a verificar.
Hoje, o inacabado Hotel Casino está lá, mais os seus mal enquadrados anexos, mas não nos fará esquecer os delírios que foram então cometidos. É só mais um elefante branco entre tantos outros!
Repito: hoje o Hotel Casino mais os barracões anexos permanecem lá, sem ninguém perceber muito bem como vai acabar toda esta história. Os habitantes da zona bem que se podem queixar. Toda e qualquer ação popular legítima que denote a indignação, é um pequeno passo para pressionar o poder político responsável, chamando-o à razão e sobretudo à ação. Para já, move-se com coragem e com soluções concretas o poder municipal de Ponta Delgada. 
E nem mesmo a propósito, desenvolvi o conceito, que até pode nem ser muito inovador, que assenta numa mistura de compreensão e empreendedorismo, chamado compreendedorismo. Ou trocado por miúdos: não empreendas sem que primeiro compreendas. E esta é uma lição de grande simplicidade.•  
 
Luís Almeida

16 de setembro de 2013

São eleições locais, Senhor, locais

Agora que se aproximam as eleições autárquicas, há uma certa tendência para colá-las à situação política, económica e social que o país atravessa.
Por esta mesma razão nunca será demais lembrar que as eleições autárquicas têm uma matriz local, portanto o espectro de que poderá ser uma grande derrota ou o reforço das políticas da República não tem qualquer cabimento.
Será de prevê que José Seguro deseje uma vitória nos principais municípios do país, pois só assim reforçaria o seu discurso populista, demagógico e frívolo. Só assim acalmaria um partido dividido entre a sua própria inoperância política [de Seguro], e a "esquizofonia" do seu próprio projeto político. Não é o seu tempo. José Seguro está a preencher o hiato. O Dom Sebastião do largo do Rato ainda não chegou. Tenhamos paciência.

18 de agosto de 2013

Positivamente Ponta Delgada

in AO, 15 de agosto de 2013

Segundo estatísticas europeias, é estimado em 2020 que 80% da população europeia viva em cidades, o que levanta já um conjunto de questões que devem ser alvo de reflexão e planeamento por parte das entidades responsáveis ao nível político, como ao nível económico.
Ponta Delgada não fica atrás desta tendência. E há questões que devem despertar a curiosidade e a reflexão, desde as ambientais, ao ordenamento e organização geográfico e territorial, à mobilidade urbana, à gestão dos recursos disponíveis, ao desenvolvimento económico sustentado, à componente cultural como garantia da identidade de um povo e como solução sócio-educativa complementar e de lazer, entre tantos outros pontos de intervenção. É por isso hora de decidir bem e com sentido de futuro. Ou seja: decidir por um amplo quadro de soluções inovadoras e de valor acrescentado que permitam gerir com equilíbrio e com verdade os recursos financeiros existentes, por um lado, e o real potencial de crescimento, por outro.
Sendo Ponta Delgada o maior e mais importante Concelho dos Açores, devemos todos ter um olhar clínico sobre a realidade, sem complexos dos erros do passado e com a inteligência proativa de no futuro fazer-se melhor. Mesmo que os recursos financeiros disponíveis sejam menores, como se constata no quadro orçamental e financeiro nacional para os próximos anos, e do qual não podemos fugir. Mesmo que tal represente uma forma diferente de ver e sentir a cidade e o Concelho…
Com uma população a rondar os 70 mil habitantes, dos quais uma percentagem de 24% está a receber RMG e RSI (fonte: http://www.publico.pt/autarquicas2013/município/ponta-delgada), imaginamos facilmente que os índices de iliteracia da população de Ponta Delgada são preocupantes. Por exemplo, apenas 14% da população possui ou frequentou estudos superiores. Perante estes números é emergente que nos foquemos em políticas sociais realistas, onde o trabalho e a integração são prioridades. Urge como tal defender práticas de proximidade que exponenciem a utilidade, a funcionalidade, e a rentabilidade das ações. E monitorizá-las continuamente tendo em vista o seu aperfeiçoamento.
Ao circular pelas freguesias e lugares mais afastados da urbe, constata-se que Ponta Delgada exibe uma vincada faceta rural e outra urbana, o que bem vistas as coisas não é tão negativo quanto poderia parecer, pois permite reforçar as raízes genuínas de um povo acolhedor, e que encontrará no turismo rural e de habitação uma alavanca crucial para a regeneração de pequenos nichos de atividade económica. Mas isso exige uma renovação de confiança que não é um mero pregão de circunstância, mas um ato de inteligência cívica, de crença e de emoção - devemos senti-lo e acreditar em todo o seu potencial. Não se promete que é tudo para amanhã, mas organizando no tempo as ações de uma intervenção de escala e integrada num projeto abrangente.
E, caros leitores, o mesmo se poderá aplicar à pequena indústria, ao pequeno comércio, à educação, à cultura, e demais áreas.
Em poucas palavras, teremos entrado numa nova fase da governação e da gestão autárquica, em que a verdade e sobretudo a responsabilidade mais do que palavras ocas e vãs, são valores de compromisso firme com as populações.

23 de maio de 2013

Ó Pai, partiste a televisão?



Eis que as diversas ligas europeias de futebol chegaram ao final. Num intervalo de poucos dias, um atrás do outro, os vencedores iam sendo anunciados. Mas as vitórias que deveriam ter terminado em festas populares de rua, tornaram-se em certos casos em batalhas campais entre adeptos furiosos dos próprios clubes vencedores e as forças de segurança, e/ou transeuntes anónimos e inocentes, e julgo até, para cúmulo da ironia, que em alguns casos com gente que nem se deve importar muito com futebol. Aconteceu assim em Paris na vitória do Paris Saint-Germain. O mesmo sucedeu em Madrid, finda a Taça do Rei, com a vitória do Atlético sobre o Real. Contudo, estas situações não são novas. Não aconteceram pela primeira vez. Mas que há uma relação, eu diria que sinistra, entre a vitória de um clube de futebol e as emoções que esta despoleta nos seus adeptos, e que logo servem para justificar a mais gratuita violência contra pessoas e bens, é incontornável. E depois são os painéis alargados de cientistas sociais e desportivos, em debates intermináveis, que analisam os acontecimentos e lhes dão uma explicação aparentemente circunspecta, mas fundamentada em teorias peregrinas que estes comportamentos violentos dos adeptos são proporcionais à deterioração moral e social do modelo em que estamos vivendo. A questão, porém, convida à sua recolocação objetiva no tempo: durante milénios a violência e a guerra (a face mais extrema da violência) funcionou como a face mais crua de uma legítima vontade inerente às sociedades humanas, a do domínio pela força. Isto, caros leitores, perdurou até há umas décadas atrás, fosse sob a forma dos campos de extermínio nazi, fosse sob a forma das cadeias de tortura dos ex-regimes comunistas do leste europeu. Só que a violência associada ao futebol, aparentemente espontânea, que parece originária em emoções de exaltação e não de frustração, acaba por revelar algo bem pior: a de que estas manifestações menos felizes e cada vez mais frequentes são a articulação lógica de um mal-estar social e espiritual mais abrangente. E ao qual é preciso as autoridades estarem cada vez mais atentas.
O futebol tornou-se numa máquina que foge ao controlo de qualquer política social de bom senso. Os clubes cresceram magistralmente, profissionalizaram-se, estão cotados em bolsa, quando perdem um título significa que o acionista perderá dinheiro, deixará de investir. Concomitante, alimentaram-se verdadeiras máquinas de apoio devoto e incondicional, as claques. Trocou-se o antigo e salubre hábito de ir à bola ao domingo à tarde, quando os adeptos ainda o eram quase por ingenuidade, por uma questão de vida ou de morte. Antes era-se de um clube quase por um ingénuo bairrismo, hoje é-se porque o adepto precisa descarregar as pulsões sociais acumuladas e nada melhor do que um estádio de futebol. E se ainda assim se sentir insatisfeito, resta-lhe a rua. A polícia. O centro comercial. O metropolitano. E algumas lojas de conveniência. Nada se lhe escapa.  
Confesso-vos, caros leitores, de que tenho um clube. Que o coração sofre um pouco por ele, sim é verdade. Mas longe de mim arremessar paus ou lançar pedras contra quem não tem nada a ver com a frustração ou a alegria que o meu clube me dá. Faz-me lembrar a história que um dia me contaram: Ó pai, partiste a televisão? Então, ó filho, não vês que o golo marcado foi uma roubalheira! Ó pai, é só um jogo de bola! Pois é, filho, também é só uma televisão.
 
In Açoriano Oriental, 23 de maio de 2013.

4 de maio de 2013

Mãe-África numa história mesmo muito breve

 
Para muitos foi o continente esquecido. O berço da civilização. Um mapa de fronteiras retalhadas por tratados internacionais. Limpezas étnicas. E conflitos, muitos conflitos ao longo dos séculos, cujo balanço se traduz em milhões de mortos e de desalojados. E daí necessário um documento escrito que registe o passado e o presente. De forma que Uma Breve História de África, de Gordon Kerr, é uma fotografia sucinta dos principais acontecimentos políticos e sociais de um continente em permanente instabilidade e efervescência. São 54 nações soberanas que vivem maioritariamente em regime presidencial, muitas vezes conquistado à lei da bala, em que os valores democráticos têm pouca ou nenhuma expressão. Conheça o passado, mas sobretudo os desafios do futuro deste continente rico em minerais e que é cobiçado novamente pelas grandes potências. Uma Breve História de África é uma edição da Bertrand Editora.

30 de abril de 2013

O Holocausto revisitado a partir de Portugal

 

 
Portugal, como país neutro, os Aliados e o Vaticano tiveram ou não conhecimento da amplitude dos massacres cometidos pelos nazis quando da II Grande Guerra Mundial? Eis uma pergunta para uma resposta complexa. E a resposta está num livro que contém uma exaustiva pesquisa, Salazar, Portugal e o Holocausto, das historiadoras Irene Flunser Pimentel e Cláudia Ninhos, que muito têm pesquisado sobre o Portugal de Salazar e a Alemanha de Hitler. Diga-se em abono da verdade uma pesquisa intensa e tão completa quanto possam pensar, em que são citadas inúmeras fontes, entre livros, documentos, ensaios, etc. E, mesmo sendo verdade que tivessem tido conhecimento desses campos de morte, o que poderiam ter feito no decorrer desses anos obscuros que não fosse apenas denunciar e exortar à união do Ocidente para combater a irracionalidade do Fuhrer. Este é mais um trabalho de investigação de grande qualidade da editora Temas e Debates.