31 de outubro de 2015

Europeu e liberal

in Açoriano Oriental, 29 de outubro

Mais ou menos em meados do século XIX, enquanto viajava pelo mundo a bordo do Beagle, Charles Darwin foi considerado um liberal porque se insurgiu contra a escravatura dos negros vindos de África para trabalhar nas plantações dos brancos, sobretudo no Brasil.
Darwin foi um liberal com uma distância de quase 200 anos, e postulou, entrou outras ideias, a hipótese de os seres humanos serem apenas uma espécie única, em todo o mundo, ou se negros, asiáticos e demais tipos humanos eram espécies separadas.
A resposta óbvia e cientificamente aceite é: todos descendemos de um mesmo antepassado comum.
Darwin defendeu, não sem a oposição e o ostracismo de muitos dos seus coevos, a libertação imediata de toda a forma de escravatura humana fosse em que paragem do planeta estivesse instituída, e ponha em causa a tese de que seria o homem branco o pináculo da criação.
Ter sido um liberal, ter defendido o fim da escravatura no seu tempo, não é apenas uma questão de pormenor. É um extraordinário exemplo para os nossos dias.
Hoje ser-se liberal tem toda uma semântica perversa de se ser contra o progresso ou contra a felicidade humana, quando, na sua origem, liberal é precisamente defender-se o progresso social da coletividade e a realização individual de cada um.
Enquanto tese, o liberalismo não mudou nem uma vírgula. O que mudou foi a perspetiva crítica com que os antiliberais se apoderaram da circunstância histórica de crise e de depressão, para arrasar (sim, arrasar é mesmo o termo) a sua virtude.
O que se passou recentemente em alguns países, incluindo o nosso, foi um ataque permanente ao liberalismo vindo de uma certa esquerda radical.
Pois bem, com a perspetiva no horizonte de Portugal vir a ter um governo com representantes dessa esquerda antiliberal, nunca um liberalismo moderno e progressista foi tão necessário.
Darwin, hoje, liberal moderno, acreditaria, por exemplo, em: eleições livres e democráticas, direito à propriedade privada e ao livre comércio, liberdade de imprensa e de religião, na livre circulação de pessoas, entre tantas outras coisas.
E que isso não teria nada de perverso, ou de retrógrado. Absolutamente nada.
Até antes pelo contrário!
O contraponto de um liberal moderno é um revolucionário de esquerda. Leia-se, a propósito, o editorial da página de um órgão de difusão de esquerda (http://www.lutapopularonline.org) sobre as eleições legislativas de 4 de outubro último. Transcrevo uma passagem em que a esquerda… fala da esquerda: “Passou hoje uma semana sobre a realização do último sufrágio para a Assembleia da República. (…) que em terceiro lugar ficou o Bloco da classe média urbana e da esquerda caviar e, por derradeiro, o partido revisionista e social-fascista de Jerónimo de Sousa,(…) .”
Não resisti a dar umas boas, mas respeitosas, gargalhadas. Afinal de contas, o ambiente entre as esquerdas revolucionárias está azedo e revela os conflitos de consciência entre a militância ideológica de resistência e a frivolidade pragmática do Euro sistema!
À margem disso, como Darwin, considero-me um liberal. E nunca estive tão convicto de estar do lado certo!

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