In Açoriano Oriental, 24 de maio de 2012
O debate em torno do financiamento da cultura é intemporal, e
as questões que suscita nem sempre têm respostas consensuais. De que falamos
quando falamos de cultura popular e de cultura erudita, quem são os seus
públicos, de que formas podem ser financiadas e como vão sobreviver aos anos de
recursos escassos que se adivinham. Eis algumas questões pertinentes.
A cultura não é, e não foi no passado, o centro gravítico das
políticas dos governantes ocidentais. São excecionais as situações em que um
determinado Estado, em determinado momento, fez da cultura uma prioridade,
rendidos que estavam às lógicas economicistas e às leis de mercado da procura e
da oferta. Nestas matérias, as coisas hoje até podem ter mudado um pouco, mas
no que ao financiamento da cultura diz respeito, pouco ou nada vai mudar, ou
seja, os orçamentos para as divisões culturais e afins, continuarão a ser
reduzidos. E percebe-se que assim seja: não se desvia financiamento da saúde ou
da educação para investir em espetáculos! E a sobrevivência das atividades
culturais, nas vertentes popular e erudita, vai depender, no longo prazo, se
respeitar as lógicas económicas da criação, manutenção e dinamização de um
mercado.
O papel do Estado não é financiar tudo e todos eternamente.
Isso é impossível. Cabe ao Estado definir critérios objetivos e interpretáveis
para apoiar financeiramente as atividades culturais, e aferir os resultados
destes apoios, reforçando ou retirando-os a quem os merecem, ou a quem os
desmerecem.
O Estado não tem dinheiro para continuar a suportar todos os
compromissos do passado. E, ao invés, urge tornar a cultura, e em particular a
arte, num conjunto de bens transacionáveis efémeros e constantemente renovados
para que possam suportar e dinamizar um mercado que investe e arrisca, perde e
ganha, e que gera emprego, riqueza, e, muito importante também, conhecimento.
Tem faltado esta mentalidade entre nós. É urgente a criação
de um mercado interno. Tem subsistido o hábito do apoio, em que quase todos
tinham acesso. Ninguém ficava de fora.
Também é verdade que não foi a cultura que levou o país e a
região a passar pelas dificuldades por que passamos. Mas a verdade é que o
valor que a região gasta em cultura todos os anos, entre orçamento regional,
orçamentos locais, entre outros, quando comparado com outras regiões do pais, é,
per capita, muito elevado.
Os mais incrédulos dirão que a liberalização da cultura
arrasta consigo a sua descaracterização, mas o que precisamos mesmo é que as
nossas produções culturais, como as músicas e os filmes que produzimos, os
livros que escrevemos, os espetáculos que somos capazes de encenar, etc, sejam
sufragados pelo mercado, tal qual outro produto ou bem transacionável, que
ganhem o seu espaço, entenda-se, público, interno, que se expandam para o
mercado exterior, e assim por diante. A qualidade será o melhor critério e
subsistirá por si. E acreditem que nós temos qualidade e valor em quase todos
os setores de atividade artística, mas tem faltado a seletividade.
E a questão fulcral é esta: ou gerimos melhor os recursos que
temos, ou a cultura tornar-se-á uma área financeiramente insustentável para o
Estado, para as autarquias e outros organismos públicos, que, por sua vez, vão
sobreviver com orçamentos cada vez mais controlados e escassos. E o que faz
falta mesmo é a existência de um mercado regional de cultura, que, tenho dito
repetidamente, nunca foi devida e suficientemente desenvolvido e dinamizado.
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