11 de fevereiro de 2010

Pensamentos de homem enquanto se barbeia

Nem cinco minutos depois, Zooey, de cabelo molhado e penteado, estava descalço diante do lavatório, com umas calças de algodão cinzentas, sem cinto, e uma toalha a cobrir-lhe os ombros nus. Um ritual prévio ao acto de fazer a barba já tinha sido realizado. Levantara parcialmente a persiana; deixara a porta entreaberta para que o vapor saísse e os espelhos ficassem desembaciados; acendera um cigarro, dera uma passe e colocara-o ao alcance da mão em cima da prateleira de vidro que havia por baixo do armário das remédios. Nesse momento, Zooey acabara de espremer creme de barbear para o pincel. Pousou a bisnaga, sem a fechar, num sítio onde não o estorvasse. Passou a palma da mão pela superfície do espelho, limpando a maior parte do vapor de água. Depois começou a aplicar creme na cara. A sua técnica era pouco habitual, embora idêntica em espírito à de fazer a barba. Isto é, se bem que olhasse para o espelho enquanto distribuía a espuma, não seguia os movimentos do pincel, antes observava directamente os seus próprios olhos, como se estes fossem um terreno neutro, uma terra de ninguém, na guerra privada que travava contra o narcisismo desde os sete ou oito anos. Agora, aos vinte e cinco anos, era muito possível que este pequeno estratagema fosse em grande parte um acto reflexo, como acontece com um jogador de basebol veterano, quando está no quadrilátero, a bater nos pitons das botas com o taco, seja isso necessário ou não. Não obstante, uns minutos atrás tinha-se penteado quase sem a ajuda do espelho. E antes disso, tinha conseguido limpar-se diante de um espelho de corpo inteiro, sem sequer se olhar nele.

J.D. Salinger, in Franny and Zooey

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