2 de agosto de 2012

Heróis, índices de leitura, pedagogia e progresso



        Os tempos mudam, os livros ficam. Recorre-se a uma boa história impressa no papel para esquecer a austeridade e os tempos conturbados que passam. Escolhe-se um livro para nos desmaterializarmos diariamente da condição de seres ouvintes-passivos de notícias catastrofistas que nos irrompem pelas nossas vidas dentro sem pedidos de permissão, “olá, sou uma má notícia para fazer-lhe companhia durante o jantar”, às quais reagimos impávidos e tranquilos. Já distintamente se esquece uma boa notícia, daquelas que, por momentos, parece que vai revolucionar o mundo e nos deixa até comovidos. Rejeitamos mais facilmente as boas notícias quando em público e na presença de terceiros, porque na nossa intimidade até gostamos de ouvir falar de heróis anónimos que cometem atos de coragem e valentia. Assim vão algumas das histórias que os livros de hoje nos contam, em que heróis à antiga são cada vez mais raros e deram lugar a híbridos personagens que, por vezes, mesmo roçando a decadência, são os heróis dos novos tempos.
        Mas ainda há histórias das boas, não estou a falar de clássicos, e quando posso regresso sempre a uma delas. Começo por mapear mentalmente que tipo de história desejo ler, sem preocupações ou preconceitos estético-moralizantes. Leio n sinopses, leio e releio as primeiras palavras do primeiro capítulo, e, ou já há alguma emoção a faiscar, ou existe a expressão do tédio através de um bocejo, e passo ao livro seguinte. Ou não se lê história alguma, e abre-se uma biografia, ou um ensaio, ou um manual de história económica, e, depois sim, perdemo-nos na leitura.
        Após alguns anos a verificar os benefícios da leitura, não apenas por interesse académico, mas também profissional, só posso concluir que a mesma faz da maioria seres menos prosaicos e previsíveis. Se ao fazermos parte de uma gigantesca nebulosa de informação e conhecimento universal, isso quer dizer que nos integramos sem adversidade numa esfera elevada de partilha global sem pretensões intelectuais e sem snobismos sociais. Há efetivamente uma diferença entre pensar que comunicamos com um mundo aberto e sujeito ao sufrágio popular, do que enfatizar que se comunica com a classe culta local, atirando com “provincianos incorrigíveis” para a direita, e ofendendo todos com os quais nos não identificamos ou, pasme-se, consideramos, menos doutos.
        Os países mais desenvolvidos têm índices de leitura mais interessantes do que o nosso. Não está – nem nunca estará - provada a relação direta entre leitura e desenvolvimento económico, mas é verificável uma maior propensão para o sucesso de uma sociedade que tenha índices de leitura mais elevados. Por isso é importante, entre nós, uma pedagogia da leitura. Mesmo tardia, é sempre melhor do que nenhuma. É que acabada oficialmente a “silly season”, como parece ter decretado o José Pacheco Pereira no passado fim de semana, a época é para aproveitarmos o pouco tempo de férias que nos vai restando com histórias e livros que valham mesmo a pena.



in "Açoriano Oriental", 2 de agosto de 2012

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